Autor é médico do Instituto Perdizes; sua foto propõe reflexão sobre o controle da vida
O médico Afonso Xavier Gomes Silva passou todo um final de semana refletindo sobre a foto que registrou na enfermaria do Instituto Perdizes (Iper) do HCFMUSP. Sua imagem foi a primeira colocada no Concurso de Fotografia 80 anos do HCFMUSP sob o tema “Clique aquele momento”.
Como especialista em Medicina Clínica e Paliativa, Dr. Afonso observou a simetria, quadriláteros por todos os lados e todos muito bem posicionados, o reflexo no piso brilhante do dia ensolarado após a limpeza cuidadosa. E clicou um momento singular.
“Até mesmo a mesinha à esquerda com os aventais de isolamento de contato parece dançar conforme a música. Para fazer esta foto, posicionei-me no centro do corredor e no ponto central da trajetória da luz. Era preciso que tudo estivesse sob controle para dar certo: local, luz, ângulo, trajetória” – observou ele.
Quem aparece na foto é uma paciente sob cuidados paliativos e sua fisioterapeuta. Elas não sabiam que estavam sob foco da câmera do Dr. Afonso. Era época de Carnaval. A paciente pediu que pintassem suas unhas de cores vibrantes.
A fisioterapeuta Keylla Beatriz Sales Ribeiro levou-a para breve caminhada pelo corredor do Instituto Perdizes (Iper). Ela escolheu ser profissional nessa área da saúde por sua dedicação à avó que passou por prolongada doença. No IPer, Keylla já atuou em Cuidados Paliativos e Transição de Cuidados. “Temos olhar diferenciado pelos pacientes. Sempre com zêlo e carinho” – disse.
No mesmo dia da foto agora premiada, a conversa entre os médicos residentes versou justamente sobre o quanto é confortável lidar com ambientes que oferecem sensação de controle. “Essa é, por exemplo, a condição existente numa UTI, com seus monitores, fios, soros, luz e ruídos. Mas, será que temos mesmo controle? E quando a vida não nos dá opção de controlar seu próprio fim? Será mesmo que a foto fala sobre simetria ou sobre a falta de controle?” – perguntou ele.
O autor da fotografia premiada, Dr. Afonso Xavier definiu a questão: “Lidar com Cuidado Paliativo é também lidar com a certeza de que, mesmo querendo muito, não temos controle algum”. A paciente que aparece na foto sob cuidados da fisioterapeuta Keylla veio a óbito semanas depois.
Publicado em 30/08/2024