Documento reúne orientações sobre sintomas clínicos possíveis na população indígena em contato com o metal. Lançamento da publicação aconteceu em Brasília
O Manual Técnico para Atendimento de Indígenas Expostos ao Mercúrio no Brasil foi lançado em Brasília (DF), em maio deste ano. Elaborada por diversos profissionais de saúde, a publicação foi organizada pelos pesquisadores Ana Cláudia Vasconcelos e Paulo Basta, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pela Secretaria da Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, com apoio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI); e contou com a participação da Neuropsicóloga Mirian Akiko Furutani de Oliveira, Diretora de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas da Divisão de Psicologia do Instituto Central do HCFMUSP (ICHC).
O documento reúne orientações sobre detecção e sintomas clínicos possíveis na população indígena em contato com o metal. O guia é direcionado a todos os povos que tiveram suas terras invadidas pelo garimpo ilegal de ouro e, de alguma forma, foram afetados pela exposição ao mercúrio. Entre eles, mundurukus e yanomamis.
Exposição ambiental ao mercúrio
O mercúrio é utilizado no garimpo para separar o ouro, presente no solo ou na água, por meio da formação de uma liga metálica chamada amálgama. Esse composto é, então, aquecido, e o mercúrio evaporado.
No entanto, para obter pepitas, joga-se grandes quantidades de mercúrio em áreas próximas a rios, afetando solo, água e toda a cadeia alimentar local. “A gente sabe que o mercúrio, que é depositado no ambiente pelo garimpo de ouro ilegal, entra na cadeia alimentar de quem, principalmente, consome pescado, que é a principal fonte de proteína dos indígenas. Esse mercúrio que fica no ambiente, no rio, é depositado no fundo do rio, e se liga a algas. A alga é comida pelo peixe, e outro peixe maior come esse peixe, e, assim, vai aumentando a quantidade de mercúrio disponível. O indígena vai e come o peixe. E esse mercúrio já saiu do estado metálico e se tornou metilmercúrio. Quando você ingere, ele se deposita no cérebro e em outros órgãos, como coração, fígado. Para o adulto, isso traz consequências neurológicas como dor, depressão, irritabilidade, falta de sensibilidade, além de problemas cardíacos. Se inalar, tem outras complicações”, explica Mirian.
A indicação da Diretora de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas para integrar a elaboração do Manual Técnico veio de trabalho realizado no ICHC no atendimento a pacientes expostos ao mercúrio ocupacional. Trabalhadores de uma fábrica de lâmpadas receberam tratamento no Instituto após apresentarem sintomas como dor, falta de sensibilidade, irritabilidades, perda de memória, linguagem alterada e problemas depressivos. “Pensou-se na necessidade de se criar um material que explicasse desde a sintomatologia, como fazer a detecção da exposição (coleta de sangue, coleta de urina ou coleta do cabelo). O Manual faz todo esse trajeto: como é que você detecta, quais são os sintomas clínicos possíveis em um adulto”, afirma Mirian.
Os sintomas da exposição ao mercúrio na população adulta são diferentes dos verificados em recém-nascidos ou crianças em idade escolar. De acordo com a especialista, homens e mulheres já têm o cérebro desenvolvido, enquanto que nos bebês, por exemplo, o contato com o metilmercúrio se dá durante a gestação, afetando o processo de formação do sistema nervoso. Eles podem apresentar atraso no neurodesenvolvimento, dificuldades para começar a falar e andar, e problemas de aprendizagem e relacionamento.
Além do trabalho na elaboração do Manual Técnico, Mirian participou de uma oficina para capacitação dos profissionais de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Tapajós, no Pará. A ida a campo, realizada no início de junho, envolveu a avaliação e acompanhamento de gestantes e bebês da etnia munduruku. “Demos uma atualização a respeito do andamento do projeto longitudinal, que se iniciou em 2023 e que continuará até 2026”, pontua a neuropsicóloga.
Publicado em 10/07/2025